publicado a: 2017-07-25

Apenas 1,2% da água residual das estações de tratamento é reutilizada

Numa altura em que cerca de 80% do território estava em seca severa (73%) e extrema (7%), a ZERO analisou os dados disponibilizados pela ERSAR, no seu Relatório Anual dos Serviços de Água e Resíduos de Portugal (RASARP), relativos ao ano de 2015, e constatou que apenas 1,2% das águas residuais tratadas em estações de tratamento de águas residuais (ETAR) foi reutilizada.

Na União Europeia são reutilizados anualmente cerca de mil milhões de metros cúbicos, correspondendo a cerca de 2,4% de água residual tratada. É objectivo da UE chegar aos 6 mil milhões de metros cúbicos de água residual tratada, sendo Portugal considerado um dos países onde o potencial de reutilização é maior.

As águas residuais tratadas provenientes de ETAR podem ser utilizadas para vários fins, como a rega na agricultura, a lavagem de pavimentos e de viaturas, a lavagem de contentores de resíduos sólidos urbanos e ecopontos, a rega de espaços verdes urbanos, a recarga de aquíferos ou mesmo a reabilitação e criação de zonas húmidas.

23 entidades gestoras reutilizam águas residuais tratadas

Da análise que efetuou aos dados da ERSAR, a ZERO concluiu que, das 265 entidades que têm a seu cargo a gestão de serviços de recolha, drenagem e tratamento de águas residuais, somente 23 entidades têm por prática reutilizar as águas residuais tratadas, num total de 7,8 milhões metros cúbicos, a que corresponde 1,2% da água residual tratada em ETAR.

De entre as entidades que se destacam encontram-se:

  • as Águas de Lisboa e Vale do Tejo (agora dividida em Águas do Vale do Tejo, Águas do Tejo Atlântico e Simarsul), que reutilizou 3,6 milhões m3, isto é, 1,5%, tendo tratado 97% da água que é recolhida;
  • o Município de Ourém, que reutilizou 118 mil m3, ou seja, 8,9% do total da água tratada (ressalvando-se que trata apenas 65% da água recolhida no Concelho de Ourém);
  • os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Sintra, que reutilizaram cerca de 384 mil m3, o que representa 7,9% do total das águas tratadas (mas trata apenas 15% da água recolhida no Concelho de Sintra)
  • os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Almada, que reutilizaram 332 mil m3, o que equivale a 2,3% do total da água residual recolhida que foi alvo de tratamento.

Águas do Algarve são exemplo a seguir

Todavia, a entidade que mais se destaca pela eficiência é a empresa pública Águas do Algarve, que reutilizou no ano de 2015 cerca de 1,5 milhões m3, um valor que representa 3,5% do total das águas residuais que foram sujeitas a tratamento nas ETAR. De acordo com os dados fornecidos pela empresa, 735 mil m3 são utilizadas internamente na lavagem de equipamentos e na rega de espaços verdes, sendo esta prática adotada em 13 ETAR (Almargem, Vila Real de Santo António, Loulé, Quinta do Lago, Vilamoura, Olhão Nascente, Faro Noroeste, Albufeira Poente, Ferreiras, Vale Faro, Boavista, Silves e Lagos). Mas a água residual tratada é também fornecida a entidades externas, como a Sociedade Hoteleira São Lourenço, à Infraquinta (empresa do Município de Loulé que gere os serviços urbanos da Quinta do Lago) ou à Herdade dos Salgados, o que perfaz um volume reutilizado de cerca de 770 mil m3. De salientar que a empresa trata 99,9% das águas residuais que dão entrada nas ETAR sob sua gestão.

Reutilização de águas residuais tratadas deve ser prioridade de investimento e elemento essencial do Plano de Prevenção e Acompanhamento dos Efeitos da Seca

Portugal é considerado consensualmente como um dos países mais vulneráveis às alterações climáticas e a fenómenos cada vez mais recorrentes de escassez e seca, como a que agora se verifica.

Considerando que a aplicação do índice de escassez – o WEI+ (Water Exploitation Index), desenvolvido pela ONU, com vista a avaliar o stress hídrico a que se encontra sujeito um território – nos permite verificar que as bacias hidrográficas dos rios Leça, ribeiras do Oeste, Tejo, Sado, Guadiana e ribeiras do Algarve, se encontram na categoria de “escassez severa”, i.e., regiões que consomem entre 20% a 40% dos seus recursos renováveis, uma situação que tenderá a agravar-se devido aos efeitos previsíveis das alterações climáticas, e tendo em conta as medidas que a UE pretende implementar para potenciar a reutilização de águas residuais tratadas, a ZERO advoga a adoção urgente de um conjunto de medidas, como:

  • A adoção urgente de regulamentação da reutilização de águas residuais tratadas, atendendo a que subsistem algumas omissões legislativas no regime de utilização dos recursos hídricos que não facilitam as iniciativas dos promotores destes sistemas, devido a obstáculos e demoras na obtenção de pareceres favoráveis das autoridades competentes;
  • Uma articulação entre os Ministérios do Ambiente e da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, já que existe um potencial de 35 000 a 100 000 ha de áreas agrícolas que poderiam vir a ser irrigadas com recurso a águas residuais tratadas, promovendo assim a reciclagem de nutrientes, entre os quais o fósforo (nutriente não renovável);
  • A abertura imediata de um Aviso do POSEUR – Programa Operacional para a Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos, destinado em exclusivo a investimentos das entidades gestoras com vista à incorporação da reutilização das águas residuais tratadas como parte do processo de gestão das ETAR.

A ZERO considera que estas medidas são relevantes como complemento ao Plano de Prevenção e Acompanhamento dos Efeitos da Seca anunciado pelo Governo na passada semana.

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