publicado a: 2019-07-25

Edição de genoma de plantas: Comunidade científica contesta decisão do Tribunal de Justiça Europeu

A comunidade científica europeia lançou hoje uma carta aberta de protesto no primeiro aniversário da decisão do Tribunal de Justiça Europeu de equiparar a edição precisa de genoma aos Organismos Geneticamente Modificados. Esta carta aberta defende que técnicas de melhoramento genético de alta precisão são fundamentais para a segurança alimentar e para o desenvolvimento científico e económico de Portugal e da Europa.

Há 10 000 anos, quando as primeiras tribos passaram de caçadores-coletores para a agricultura, iniciou-se um longo caminho de melhoramento das plantas. No início do séc. XX, com o conhecimento da genética de plantas, passaram a ser efetuados cruzamentos controlados e outras técnicas de melhoramento para obter descendências mais produtivas. O melhoramento genético das plantas tem prosseguido com ferramentas cada vez mais precisas, para possibilitar obter maior produção e qualidade e assim fazer face aos desafios da população em crescimento e a um clima em mudança. Os resultados estão todos os dias à nossa mesa.

Há um ano, no dia 25 de julho de 2018, o Tribunal de Justiça da União Europeia comprometeu o desenvolvimento de uma nova e promissora ferramenta para melhoramento de plantas: a edição do genoma. As plantas obtidas por este meio de melhoramento de precisão foram equiparadas na Europa a organismos geneticamente modificados (OGM) e, assim, sujeitas à restritiva legislação que regula os OGM, com grande prejuízo para a ciência, a agricultura e a sociedade.

O melhoramento de precisão por edição de genoma permite realizar pequenas alterações muito precisas no ADN, preservando os genes bons que a planta acumulou ao longo de centenas de gerações. Esta nova ferramenta permite acelerar a obtenção de variedades de plantas mais resistentes às pragas e doenças, reduzir o uso de agrotóxicos e a quantidade de água de rega e até remover produtos potencialmente alergénicos como o glúten. Essas mesmas modificações podem ser obtidas de forma muito mais lenta através das técnicas tradicionais de melhoramento de plantas ou ocorrer espontaneamente na natureza. De facto, e ao contrário do que acontece com os OGM, que incorporam fragmentos de ADN, não existe nenhum teste que permita distinguir os organismos sujeitos a edição do genoma daqueles em que ocorreram modificações naturais espontâneas. Dada a sua precisão, essas variedades são tão seguras ou mais que aquelas obtidas a partir de técnicas convencionais de melhoramento.

Ao pretender diferenciar o indiferenciável e equiparar as técnicas de melhoramento genético de precisão aos OGM, o Tribunal Europeu tornou o processo de licenciamento desses organismos muito mais dispendioso, comprometendo os investimentos em ciência no setor europeu do melhoramento das culturas. A utilização destas técnicas no continente está a tornar-se o privilégio de um grupo restrito de grandes multinacionais, com capacidade financeira para dele tirarem partido em grandes culturas altamente rentáveis. O resultado será que o desenvolvimento de variedades vantajosas de uma forma mais rápida e direcionada ficará paralisado na Europa enquanto o resto do mundo adota a tecnologia. Acresce que esses produtos continuarão a entrar no mercado europeu, uma vez que os controlos alimentares não serão capazes de os diferenciar daqueles obtidos por melhoramento genético tradicional.

A diferença na abordagem regulatória é mais do que uma questão de aposta na ciência. É também uma questão de segurança alimentar. A comunidade científica europeia apela por isso às instituições europeias, incluindo o Conselho Europeu, o novo Parlamento Europeu e a próxima Comissão Europeia, para que adotem medidas legais que permitam aos cientistas e às entidades que desenvolvem novas variedades de plantas aplicar a edição de genoma para uma agricultura e produção alimentar ambientalmente e economicamente sustentáveis. A capacidade de utilizar a edição de genoma é crucial para o bem-estar e a segurança alimentar dos cidadãos e para a adoção de técnicas agronómicas de menor impacto no meio ambiente.

Veja AQUI Carta Aberta (versão portuguesa) da comunidade científica europeia, subscrita por mais de 120 instituições do continente e mais de 70 investigadores em Portugal.

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