publicado a: 2019-11-27

Milhares de agricultores bloqueiam Berlim contra pacote ambiental alemão

"Sem agricultores, sem comida, sem futuro" foi o mote da manifestação que juntou dia 26 de novembro de 2019, em Berlim, 40 mil agricultores alemães, contra planos de proteção ambiental que os poderão deixar na penúria. Foto: Reuters via RTP

Os citadinos já não nos compreendem, pois não têm nenhum contacto connosco", queixou-se Hubert Oing, de 47 anos, agricultor da Baixa-Saxónia, que esta terça-feira, sentado no seu trator, bloqueou com milhares de outros, as principais ruas de Berlim.

O protesto, o terceiro no género em poucos meses, exigiu ao Governo federal a "reformulação" do Plano de Proteção Ambiental anunciado em setembro passado.

"Tenho cada vez menos confiança no meu futuro", lamentou René Wessler, manifestante com 24 anos.

O principal receio dos agricultores alemães é que, sob o peso das novas regras de proteção ambiental, as suas explorações deixem de ser rentáveis, num contexto de concorrência internacional.

"Mais do que leis excessivas e proibições, os agricultores alemães necessitam de proteção e de perspetivas de futuro", argumentou o principal sindicato agrícola da Alemanha, que ajudou a organizar a manifestação, lançada pelo movimento "Terra cria conexão", que tem unido dezenas de milhares de produtores e que pediu protestos.

Proteger insetos e lençóis freáticos

A polícia esperava cinco mil tratores, apareceram mais de 8.600. Reuniram-se junto à Porta de Brandeburgo, juntamente com cerca de 40 mil participantes no protesto.

Sem agricultores, sem comida, sem futuro!, Agricultores arruinados, alimentos importados, eram algumas das palavras de ordem escritas nos cartazes empunhados pelos manifestantes.

Vieram de toda a Alemanha, contra o plano acordado entre os ministérios do Ambiente e da Agricultura, quanto ao uso de certos herbicidas, inseticidas e fertilizantes.

De acordo com o projeto, o glifosato deverá ser eliminado dos campos alemães, até 2023, e o mesmo irá suceder a herbicidas e inseticidas "que tenham um impacto sobre os insetos" nas zonas "vulneráveis do ponto de vista ecológico", mas num prazo ainda mais curto, 2021. A utilização de fertilizantes minerais será também objeto de restrições.

O Governo federal pretende desta forma ajudar à recuperação das populações de insetos, fortemente afetadas nos últimos anos, e evitar a poluição dos lençóis freáticos. Do outro lado da moeda tem de enfrentar os agricultores, cujas explorações estão ameaçadas pelas novas regras.

Vaiada

Perante os manifestantes reunidos na Porta de Brandeburgo, a Ministra Federal da Agricultura Julia Klöckner (CDU), e a Ministra Federal do Meio Ambiente Svenja Schulze (SPD), defenderam as novas regras previstas para proteção ambiental e animal.

Klöckner defendeu os ajustes, referindo como exemplo os nitratos encontrados em excesso nas águas subterrâneas. Lembrou como exemplo de abertura e diálogo os investimentos feitos para garantir o bem-estar dos animais, que procuraram também garantir protecção aos postos de trabalho no setor.

A ministra reconheceu por outro lado que os agricultores deveriam receber mais dinheiro, anunciando que o Bundestag, o Parlamento federal alemão, se preparava para abordar a questão.

Apesar de vaiada e assobiada, a ministra do Ambiente defendeu por seu lado as regras claras de proteção de águas subterrâneas e de insetos. Afirmou ainda estar aberta ao diálogo com os agricultores, a nível regional e federal, para os envolver na solução.

Os manifestantes sentem-se contudo num diálogo de surdos, pressionados por uma população urbana que, a maioria das vezes, ignora a proveniência dos alimentos e o seu custo de produção, e cujas preocupações se centram quase exclusivamente no impacto ambiental da agricultura.

Ambiente vs alimentos?

As associações do setor queixam-se há meses da falta de consideração da opinião pública alemã.

Recentemente, uma petição contra o uso de pesticidas para "salvar as abelhas", recolheu mais de 1,8 milhões de assinaturas na Baviera, e obrigou o governo regional a prometer medidas de proteção, apesar da oposição das organizações agrícolas locais.

Segundo um estudo de finais de 2017 e baseado em recolhas realizadas na Alemanha, a Europa perdeu em menos de 30 anos quase 80 por cento dos seus insetos, o que levou ao desaparecimento de mais de 400 milhões de aves.

Os agricultores alemães não estão contra a proteção ambiental, mas receiam a concorrência de produtos externos.

"Muitos pesticidas e práticas proibidas aqui são autorizadas noutros países da União Europeia ou do mundo. Ora, nós estamos a concorrer com produtos provenientes desses países", explica Norbert Prkle, explorador agrícola na Saxónia.

Os manifestantes afirmaram-se por isso contra o acordo entre a União Europeia e a Mercosul, que abre o mercado europeu a quatro países da América do Sul.

Argumentam que a produção alemã será sufocada por regulamentos, sendo em vez disso dada preferência a produtos de países da América do Sul produzidos sob condições ambientais e sociais catastróficas.

"É muito importante para nós sermos ouvidos novamente e compreendidos, porque nós, agricultores, não somos agressores de animais e assassinos de insetos", disse Christoph Plass, agricultor de Liebenwalde (Oberhavel) e co-organizador do protesto, à agência de notícias DPA.

"Estamos cansados de ser responsabilizados por tudo", acrescentou.

Encostados às cordas

O protesto dos produtores agícolas foi criticado pelo líder dos Verdes, Anton Hofreiter, que acusou os manifestantes de adotarem uma "abordagem errada".

"A extinção de espécies ou a poluição das águas subterrâneas não desaparecem por serem ignoradas", disse à emissora de televisão privada RTL-NTV esta terça-feira. "Ter ainda menos conservação, espalhar mais fertilizantes, essa não é a resposta certa".

Hofreiter afirmou que, "após anos de políticas agrícolas erradas", os agricultores estão "encostados às cordas".

Tanto o Ministério da Agricultura quanto a Associação de Agricultores favoreceram a criação de empresas cada vez maiores, referiu, pressionando os pequenos produtores. Seria assim necessário reformar as leis anti-monopólio e tirar subsídios à área imobiliária, argumentou.

O líder dos Verdes defendeu também um novo tipo de rotulagem, que evidencie junto dos consumidores as diferenças de qualidade dos produtos.

A intenção do Governo passa por levar os pequenos agricultores alemães que seguem ainda práticas convencionais a mudá-las para uma agricultura biológica. Uma alteração que só será possível com a anuência destes e que talvez só seja alcançada com incentivos financeiros substanciais.

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