publicado a: 2019-09-05

Alterações climáticas põem em causa viabilidade de várias culturas agrícolas europeias

Estudo da Agência Europeia do Ambiente aponta os efeitos nocivos das mudanças do clima no sector agrícola europeu: piores colheitas, custos de produção mais elevados e risco de abandono da actividade.

A produção agrícola e pecuária em várias regiões do Sul da Europa e Mediterrânea está de tal maneira ameaçada pelos efeitos adversos das alterações climáticas que se, não forem tomadas medidas urgentes para aumentar a resiliência e eficiência de muitas culturas, estas deixarão de ser viáveis e poderão ser abandonadas, alerta a Agência Europeia do Ambiente, num relatório divulgado esta quarta-feira.

Intitulado “Adaptação às Alterações Climáticas no Sector Agrícola na Europa”, o estudo avisa que a médio prazo a viabilidade económica das explorações agrícolas deverá ser severamente afectada com a multiplicação de episódios meteorológicos extremos — caso de secas, cheias ou vagas de calor — e com as alterações nos ecossistemas fruto das mudanças no clima (que levam, por exemplo, à diminuição da polinização ou ao aumento de pestes e doenças).

A agricultura é uma das actividades que contribui para as alterações climáticas, através da emissão de gases com efeito de estufa e outros poluentes, mas é, ao mesmo tempo, “o sector mais exposto às mudanças nos padrões do clima, que têm um impacto muito específico na selecção e localização de culturas”, lembram os autores do relatório, que foi coordenado pela Agência Europeia do Ambiente e o centro europeu que estuda os impactos, a vulnerabilidade e a adaptação às alterações climáticas.

Por isso, defendem a adopção urgente de medidas de adaptação do sector agrícola, não só para cumprir com as metas definidas no Acordo de Paris sobre o clima, como também para garantir a sua resiliência e sustentabilidade. “Apesar de algum progresso, muito mais tem de ser feito para adaptar o sector. Essa deve ser a principal prioridade da União Europeia, cujas políticas têm de ser desenhadas de forma a facilitar e acelerar a transição”, considera o director executivo da Agência Europeia do Ambiente, Hans Bruyninckx.

Muitos produtores europeus já estão a sentir o impacto negativo das alterações climáticas, mas de acordo com os especialistas citados os prejuízos vão acentuar-se no futuro próximo, com “piores colheitas e custos de produção mais elevados”, que afectarão o preço, a quantidade e a qualidade da produção agrícola no continente. Os efeitos vão também sentir-se no processamento dos produtos agrícolas e nas condições de transporte e armazenamento dos mesmos.

Os autores estimam ainda outras consequências para o rendimento dos agricultores: uma brutal desvalorização do terreno agrícola (na Europa do Sul, o valor das propriedades pode cair até 80% até 2100); e uma alteração dos fluxos comerciais, com a Europa a reduzir as exportações de alguns dos seus produtos e aumentar as importações de outras partes do mundo.

A produtividade do sector agrícola está particularmente ameaçada nos países do Sul da Europa, onde as projecções (num cenário de emissões elevadas) apontam para uma redução de 50% até 2050 das colheitas não irrigadas como o trigo, milho ou a beterraba sacarina. As alterações climáticas também influenciarão — para mais, no caso do milho, e para menos, no caso do trigo — os períodos de floração e maturação, com as mudanças a variar entre uma e três semanas.

Em Portugal, a projectada subida de dois graus Celsius nas temperaturas globais deverá resultar numa quebra na taxa da produtividade média anual da cultura de milho, dos 28,9 quilos por hectare para 20 quilos, no período 2051-2080. E as culturas perenes como a vinha e o olival, “localizadas em nichos climáticos específicos”, estarão particularmente sujeitas aos efeitos nefastos do aumento das temperaturas.

Pelo contrário, por causa do efeito das alterações climáticas, algumas áreas da Europa do Norte poderão conhecer melhores condições de cultivo, com épocas mais longas. Mas como na generalidade do continente europeu, os territórios mais a norte estarão igualmente expostos a um maior número de “eventos extremos”, nomeadamente cheias.

O estudo identifica Portugal como um dos países expostos a episódios de seca mais frequentes, prolongados e de maior intensidade, com efeitos na produção de culturas aráveis e pasto animal e, consequentemente, no rendimento dos agricultores. Os autores notam ainda que 63% da infra-estrutura de irrigação em Portugal continua assente na irrigação por gravidade à superfície, um sistema que é pouco eficiente e resulta em perdas de água — e cuja revisão e modernização é considerada fundamental.

Na sua página 79, o estudo oferece como exemplo a seguir as acções empreendidas na Herdade do Freixo do Meio, uma quinta biológica do Alentejo, que é uma área classificada como “altamente vulnerável” às alterações climáticas (pela diminuição do nível de precipitação e aumento da temperatura e da frequência, duração e intensidade das secas) e de “elevado risco” de desertificação. Entre as medidas adoptadas para melhorar a retenção de água e reduzir as necessidades de irrigação contam-se a construção de pequenas barragens e o recurso a energias alternativas para o sistema hidráulico; a introdução da irrigação com fertilizantes orgânicos ou a alternância do terreno arborizado e dos campos de cultivo.

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