publicado a: 2018-10-29

Agricultura. Solos em Portugal já não são o que eram

Picos de calor e seca extrema, chuva repentina e fora de época e rajadas de vento que destroem tudo por onde passam. O clima em Portugal está a mudar o setor agrícola é um dos que mais sofre com esta alteração. O i falou com responsáveis de algumas associações de produtores e com o secretário geral da Confederação dos Agricultores de Portugal para perceber quais as consequências destas mudanças

O clima em Portugal já não é o que era e as mudanças estão à vista. Este ano assistimos ao setembro mais quente desde 1931, depois de junho ter sido o segundo mais chuvoso do século e de julho ter sido o mais frio. Em outubro, Portugal recebeu a visita da tempestade Leslie com chuvas e rajadas de ventos fortes. A instabilidade, variabilidade e imprevisibilidade do clima é agora um dos maiores desafios para os agricultores que pretendem continuar competitivos e com capacidade para responder a ameaças nas diversas culturas.

Para Luís Mira, secretário geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), uma das soluções para contornar as alterações climatéricas terá de passar por um mudança de culturas e de hábitos agrícolas em Portugal. “A questão vai afetar todo o país. Obviamente mais o centro, que neste momento já tem menos chuva, mas no norte também vai aumentar muito a temperatura”, explica ao i que, no entanto, recusa alarmismos porque, como explicou, a falta de condições para algumas culturas é o suficiente para serem criadas outras, como o amendoal que se produz cada vez mais no Alentejo.

“Nós fazíamos culturas que não era possível fazer em Inglaterra, mas daqui a 50 anos vai ser possível fazer as culturas em Inglaterra que nós fazíamos aqui e nós passaremos a fazer outras. É isto que as alterações também vem dar”, explica.

Uma realidade que para o presidente da Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais (ANPOC), José Palha está muito presente nos agricultores de cereais uma vez que já existem trabalhos em conjunto com o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) para estudar quais as culturas mais produtivas no norte de África que possam ser adaptadas às nossas condições que “são cada vez mais parecidas

O que é certo é que os dados meteorológicos já são conhecidos: além do calor, aquele que foi o setembro mais quente desde que há memória levou também ao aumento da área em seca meteorológica em todo o país. No final do mês, 91,6% encontrava-se em seca fraca e 6,8% em seca moderada. Uma situação que pode afetar mais produções agrícolas do que outras. Uma das zonas que poderá ser mais penalizada será a região Oeste. “A zona oeste corre o risco de, no futuro, não ter baixas temperatura no inverno e isso impede a fruta de frutificar, o que é complicado porque água ainda se consegue arranjar, temperaturas baixas não” explicou ao i o secretário geral da CAP.

“Em janeiro tivemos recordes de temperaturas mínimas, em setembro recordes de temperaturas mais altas e em outubro rajadas de ventos fortíssimas. É uma situação complicada para a agricultura”, diz Domingos dos Santos, presidente da Associação Nacional de Produtores de Pera Rocha que conta também que já “a seca do ano passado, depois as chuvas tardias, alteraram os ciclos das estruturas”.

Os agricultores de vários setores contactados pelo i estão preocupados com estas alterações, até porque os picos climáticos sentidos em Portugal são o que mais prejudicam as produções. “Temos anos com muita chuva e outros com pouca. Os períodos de seca são gravíssimos porque quando chove nunca é suficiente” e “há zonas do país que não estão preparadas para este tipo de alteração”, confessou João Coimbra diretor da Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sogro (ANPROMIS).

Segundo Jorge Soares, presidente da Associação de Produtores de Maça de Alcobaça, “as culturas mais afetadas foram a macieira e a pereira” e as consequências foram significativas. “Um percentual de frutos queimados pelo sol, um percentual de frutos cozidos pelo excesso de temperatura e um percentual de perdas em crescimento e em quantidade”.

Produtos beneficiados Mas esta instabilidade no clima não é má para todas as produções. Há algumas culturas que beneficiaram do clima que se fez sentir este ano. “Para os cereais foi um ano extraordinário porque [...] as culturas tiveram um desenvolvimento ótimo e a maior vantagem foram as temperaturas baixas na primavera como aquelas chuvas. Tivemos um ano de produção muito bom, ao contrário do que aconteceu o ano passado”, contou José Palha, presidente da ANPOC. Ainda assim, admite que “a enorme variabilidade do tempo” é uma preocupação.

José Palha destacou o abandono de terrenos como uma das consequências do clima, uma preocupação que não é partilhada por Luís Mira ao explicar que “a terra que é boa não se abandona”, mas acrescenta “o que acontece é que as terras não são todas iguais e que as abandonadas não têm é mais capacidade produtiva”.

Além da seca, a passagem do furacão Leslie trouxe também algumas dores de cabeça a alguns agricultores uma vez que “é uma atividade ao ar livre e está sempre sujeita ao impacto positivo ou negativo das condições climáticas” como referiu Mariana Matos, secretária geral da Associação do Azeite de Portugal.

“O que é facto é que ainda agora assistimos a um furacão que destruiu as culturas todas no vale do Mondego, destruiu tudo por onde passou e deixou um rasto de destruição. Estas alterações climáticas deixam de estar num campo de impossibilidade ou de inexistência e é aí que está o problema”, afirmou Luís Mira.

Comentários