publicado a: 2019-02-22

Biotecnologia | Porque sim na medicina, porque não na agricultura?

A introdução de culturas geneticamente modificadas (OGM) em 1996 desencadeou uma reação violenta por parte de ativistas ambientais e de consumidores preocupados com o facto de a “manipulação da natureza” poder levar a consequências potencialmente terríveis e imprevistas. No entanto, quase não se ouviram protestos públicos quando as técnicas de engenharia genética foram desenvolvidas pela primeira vez na década de 1970 para comercializar produtos farmacêuticos, como a insulina geneticamente modificada. O que leva à questão: por que razão as pessoas vêm a biotecnologia na agricultura de uma forma diferente da biotecnologia na medicina?

Dizem os especialistas que a opinião pública acolhe mais favoravelmente a aplicação da biotecnologia na medicina do que na agricultura porque sente os seus benefícios diretos na prevenção e tratamento de doenças graves. Os benefícios da biotecnologia em culturas agrícolas – como o aumento dos rendimentos e a redução dos custos de produção – são primeiro sentidos pelo agricultor, permanecendo invisíveis aos consumidores e, por isso, por eles subvalorizados.

Além disso, “o movimento anti-OGM capitalizou a ignorância dos consumidores com uma campanha de marketing eficaz contra os transgénicos, financiada em grande parte por defensores dos alimentos orgânicos e organizações ambientais”, lê-se num artigo da Genetic Literacy Project.

Apesar das amplas evidências de que as culturas geneticamente modificadas não ameaçam a saúde humana, grande parte do público em geral, no mundo inteiro, mantém o ceticismo em relação à biotecnologia na agricultura. Apesar dos investigadores serem favoráveis às culturas GM e garantirem a sua segurança e benefícios ambientais e económicos – um estudo de 2015, da Pew Research Center, descobriu que 88% dos investigadores da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) acreditam que a tecnologia é perfeitamente segura -, pouco mais de 50% dos consumidores nos Estados Unidos, onde a aplicação da tecnologia na agricultura até é das mais significativas no mundo, dizem que evitariam comprar alimentos rotulados como “transgénicos” ou submetidos a “modificação genética”, de acordo com uma investigação de junho de 2018.

Mas quando em causa estão avanços na medicina, os consumidores norte-americanos não são tão apreensivos. No mesmo estudo de 2015, que também considerou as opiniões sobre a aplicação da biotecnologia na medicina, os consumidores mostram-se claramente divididos em relação ao que pensam sobre a engenharia genética. Ainda que o procedimento nos OGM não envolva mais do que mover um ou mais genes de um animal ou planta para outro animal ou planta, muitas pessoas consideram os OGM artificiais e uma violação da ordem da natureza, especialmente quando se trata de algo tão pessoal e visceral quanto a comida. E quanto à introdução de culturas agrícolas editadas por CRISPR, não está claro como o público responderá a essa nova tecnologia, mas os ativistas anti-OGM já estão a soar o alarme sobre os supostos perigos da edição de genomas.

A ver vamos. Certo é que o uso de transgénicos na medicina cria muito pouca controvérsia e o curioso é que o processo para desenvolver um produto médico é quase idêntico ao que é usado para criar uma semente transgénica. Ambos são o resultado de processos de triagem muito longos e cuidadosos para encontrar as moléculas e as proteínas corretas, bem como os genes que as codificam.

Em ambos os casos, vários organismos são engenhados para os fins a que se destinam. As bactérias são os organismos que mais se utiliza neste processo, uma vez que são mais fáceis de cultivar e ampliar para produção. No entanto, dependendo da complexidade da estrutura molecular da droga, outros organismos, como leveduras e células de mamíferos, também podem ser usados para chegar ao produto final.

A título de exemplo: os investigadores usam a biotecnologia para analisar novas doenças e produzir vacinas para nos proteger. Como afirma Jeff Bessen, químico da Universidade de Harvard, “muitas vacinas e produtos farmacêuticos de alto rendimento contêm proteínas como ingrediente principal. As proteínas são muito caras e delicadas para fabricar a partir do zero, mas as células vivas precisam de produzir proteínas para sobreviver e podem ser induzidas a produzir proteínas médicas a granel, exigindo pouco mais do que as instruções do DNA e o caldo açucarado como combustível. Uma vez que estas plantas genéticas são inseridas nas células, muitas vacinas e drogas são tecnicamente um produto transgénico.”

Não obstante as técnicas usadas para modificar os organismos na fabricação de drogas e na criação de novas culturas agrícolas sejam semelhantes, a intenção que prevalece em cada uma das áreas não poderia ser mais diferente. As empresas farmacêuticas procuram fabricar medicamentos destinados a tratar ou curar uma doença. As empresas agrícolas acrescentam características às plantas que ajudarão de forma direta os agricultores, sem prejuízo dos consumidores e do meio ambiente. Pelo contrário, não faltam estuds que mostram os benefícios para o consumidor e para o ambiente, na medida em que uma cultura GM não precisa de tantos produtos químicos para fazer face a doenças e pragas como uma cultura convencional.

O próximo passo é inserir os genes candidatos na cultura apropriada. Começa então a operação meticulosa de selecionar o organismo ou planta que expressa a característica desejada. Isto leva-nos à última semelhança entre as culturas biotecnológicas e as drogas: ambas passam por um processo de aprovação de vários anos. No caso de um medicamento, o processo de aprovação consiste em verificar que a droga é eficaz e segura, ou seja, que faz o que foi projetada para fazer, com efeitos colaterais mínimos. No caso de uma cultura agrícola, o processo de aprovação depende, basicamernte, da garantia de que os alimentos são tão seguros como os alimentos não OGM e que não reptresentam riscos para o meio ambiente.

As culturas transgénicas atualmente aprovadas não representam preocupações de saúde ou ambientais maiores do que suas contrapartes não transgénicas. Mas o processo de aprovação tem sido tão politizado que leva, em média, 13 anos e 130 milhões de dólares para obter uma cultura aprovada. No caso dos animais, leva mais tempo. O único animal de bioengenharia a ser aprovado – o salmão da AquaBounty – levou 17 anos e ainda não está no mercado graças a uma luta política liderada pela senadora do Alasca Lisa Murkowski, que teme que o salmão transgénico do Atlântico ameace o salmão selvagem do Pacífico.

Em suma: a opinião favorável ou desfavorável dos consumidores sobre a biotecnologia está associada ao seu benefício direto. A aplicação da biotecnologia na medicina acolhe simpatias e aceitação porque as inovações médicas têm impactos imediatos e palpáveis na saúde pública. Veja-se ao exemplo da diabetes, que já foi uma ‘sentença de morte’ e agora é uma doença controlável graças à insulina produzida com bactérias geneticamente modificadas. Outras terapias aprovadas pela FDA e que envolvem a engenharia genética estão também disponíveis para silenciar os efeitos da leucemia e do linfoma, responsáveis pela morte de mais de 40 mil pessoas por ano.

Reforçando a convicção de que o público aceita melhor a botecnologia quando experimenta benefícios diretos, um estudo de 2016 publicado no PLOS One mostra que 68% dos consumidores estão dispostos a aceitar engenharia genética quando usada para melhorar a saúde humana. A aceitação cai para 49% quando a engenharia genética é aplicada à agricultura.

Mais informação aqui e aqui.

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