publicado a: 2018-11-10

E se, ao pedir um café, estiver a contribuir para que cresçam cogumelos?

Natan Jacquemin, de 23 anos, chegou a Lisboa para estudar gestão, mas cedo se desencantou com as perspectivas profissionais que a área tinha para lhe oferecer. Não queria trabalhar no escritório de uma consultora e fazer dinheiro para uma empresa com a qual não teria ligação. A sua preocupação, ao terminar os estudos, foi, então, encontrar um modelo económico que gerasse valor através da natureza. “Dinheiro é um meio para chegar a um fim”, garante. E foi assim que surgiu a NÃM, uma empresa de economia circular, que reaproveita borras de café de vários restaurantes e cafetarias de Lisboa para, depois, plantar cogumelos e gerar valor económico a partir deles. Sempre com uma preocupação social.

As estruturas em madeira, cobertas por lonas de plástico negro, servem como estufas improvisadas para todo o processo de incubação que é feito no rés-do-chão de uma loja junto ao Largo do Intendente. Porquê utilizar borras de café como substrato para fazer crescer cogumelos? Natan depressa aponta os principais motivos, em conversa com o P3.

Primeiro, “porque é um desperdício enorme e, só em Lisboa, se consomem entre 10 a 15 mil toneladas de café por ano”. E, depois, porque as borras que sobram do café têm propriedades óptimas para o crescimento desses fungos. “A água que corre ao fazer o café é quente e, assim, esteriliza as borras. Os cogumelos precisam de matéria muito limpa e que tenha fibras. O café tem fibras e é limpo”, resume.

Quando se tira um café, diz Natan, “só se usa 2% do total da sua biomassa". "Os restantes 98% são desperdício.” O belga recolhe as borras em cafés e restaurantes lisboetas e mistura-as com sementes de cogumelos. Quando elas crescem, vende os cogumelos da espécie pleurotus aos proprietários dos mesmos estabelecimentos onde recolheu as sobras. “Utilizo o desperdício dos comerciantes para produzir uma coisa de que eles necessitam e, depois, obtenho lucro dessa transacção.”

O desperdício gerado durante o processo é utilizado como fertilizante natural para o cultivo de legumes e outros vegetais. Natan dá o resultado da mistura das borras com as sementes a agricultores urbanos. “Assim, o meu desperdício também serve para criar valor e provar que é possível fazê-lo de uma outra maneira”, diz.

A agricultura urbana é, precisamente, um dos focos da empresa. Ao comprar-se um produto numa superfície comercial, por norma esse alimento percorre 15 mil quilómetros até lá chegar. O grande objectivo da agricultura urbana é reduzir essa distância e tornar a produção mais sustentável.

Natan considera que é difícil fazer coisas boas para o ambiente seguindo um modelo capitalista. É necessário, na sua opinião, “encontrar um novo modelo de criação de valor económico”. Gunter Pauli, criador do termo Blue Economy e seu conterrâneo, inspirou Natan a construir a sua empresa. Este conceito advoga um modelo económico em que o bem-estar do ser humano é preservado, bem como o da sociedade, o que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica, recorrendo aos recursos que o oceano produz. O modelo tem uma especial preocupação com a protecção das várias formas de vida e com a produção moderada de carbono.

Passo a passo

O processo é relativamente simples e Natan está ainda numa fase de experimentação, responsável por todo o trabalho (alguns amigos ajudam sempre que precisa). Um investidor francês que comprou o prédio onde Natan se instalou disponibilizou-lhe o espaço durante um ano, até que o negócio cresça e consiga provar que este modelo funciona.

As estacas em madeira delimitam três salas improvisadas onde se inicia o processo desde o primeiro passo. Numa delas, Natan mistura as borras de café com as sementes e coloca-as em sacos. Deixa-as aí entre três a quatro semanas e é então que se dá a fase de incubação.

Noutra sala, mais esbranquiçada e embrumada por um humidificador, os sacos repousam também por duas a três semanas, em contacto com a luz e o ar, até que os cogumelos começam a crescer para fora dos sacos. E, assim, ocorre o processo de frutificação. Depois é só cortá-los e levá-los às lojas dos comerciantes.

Quando acertar alguns pormenores logísticos, o jovem conta produzir entre 100 e 200 quilos por mês. E, apesar do público-alvo serem os proprietários de restaurantes e cafés, também vende para pessoas que tenham interesse em ter um papel activo na sustentabilidade do planeta.

O negócio, criado por Natan em Julho, gera valor económico mas não encontra no dinheiro o seu propósito máximo. É um meio para um fim, com o objectivo de que se possa usar o poder do capitalismo para concretizar “algo bom”, garante. Outubro assinala o mês em que, pela primeira vez, colheu os cogumelos numa quantidade próxima da que pretende alcançar. Daqui para a frente é ir passando na Rua dos Anjos e ter a sorte de ser dia de colheita de uma nova leva de pleurotus.

Outros exemplos

A Cogus é uma empresa portuguesa pioneira no reaproveitamento de borras de café e cartão reciclado para fazer crescer cogumelos. Fernando Castro lançou o projecto em 2012, no Fundão, e, até agora, ainda não parou de cultivar. A Cogus Box é um kit ecológico de produção de cogumelos que custa 10 euros e permite cultivar cogumelos num caixa de cartão no balcão da cozinha. O kit vem com instruções fáceis de seguir e a "magia" acontece passados 10 a 20 dias, revela o fundador.

Na Universidade do Minho (UM) também se estão a reutilizar as sobras de café para cultivar cogumelos. Os Serviços de Acção Social reutilizam as borras de café dos bares da universidade para produzir cogumelos pleurotus. Nuno Oliveira, antigo aluno da UM e fundador da Quinta do Verdelho, uma empresa de produção agrícola biológica, é parceiro da iniciativa da instituição minhota, que decorre como projecto-piloto num dos bares. Em média, a UM desperdiçava uma tonelada de borras de café por ano, que são agora aproveitadas para compostagem e produção de cogumelos.

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