publicado a: 2019-01-15

O solo e a agricultura de conservação

Um caminho para a mitigação e adaptação às alterações climáticas.

Em 2015, 195 países assinaram em Paris, na Conferência Mundial do Clima, “COP 21”, um acordo que procura travar o aquecimento global em no máximo 2ºC até 2100.

Para isso, há que reduzir a emissão de gases com efeito de estufa, identificar os reservatórios de carbono e trabalhar para equilibrar os ciclos de carbono.

Onde é que o solo entra nesta equação?

Os solos são o maior reservatório terrestre de carbono. Albergam cerca de 1500 biliões de toneladas de carbono sob a forma de matéria orgânica (FAO, 2015). Quando geridos de forma sustentável podem reter até 0.7 toneladas de carbono por hectare e por ano (ECAF,2014).

Ao invés, a perda de 1% de matéria orgânica nos primeiros 30 cm de solo, resultam em perdas de aproximadamente 45 toneladas de carbono (ou 166 t de CO2) por hectare para a atmosfera (ECAF,2014).

A agricultura de conservação pode contribuir para a mitigação e adaptação às alterações climáticas tanto através da promoção do aumento de matéria orgânica no solo, como da diminuição das emissões de CO2 para a atmosfera.

Captação do carbono da atmosfera

A captação de carbono da atmosfera faz-se quando as plantas verdes absorvem carbono e o transformam em açúcares num processo chamado fotossíntese.

Quando estas morrem são degradadas pelos microrganismos do solo dando origem a matéria orgânica mais ou menos estável.

A maioria dos solos mundiais são pouco ricos em matéria orgânica, resultado de uma mobilização excessiva e da pouca restituição de biomassa ao solo.

É assim necessário recuperar e proteger o solo, devolvendo – lhe o seu potencial produtivo e a sua função no ciclo do carbono – captar, armazenar e reciclar o carbono.

O revestimento permanente da superfície do solo, quer das entrelinhas das culturas permanentes, recorrendo a culturas naturais ou semeadas ou até mesmo a materiais inertes resultantes por exemplo das podas, quer entre culturas anuais, com os resíduos vegetais da cultura anterior ou com o recurso à realização de culturas de cobertura, mais chamadas entre nós intercalares, é uma prática cada vez mais necessária para aumentar a restituição de biomassa ao solo.

Tanto umas como outras não devem ser incorporadas no solo por meios mecânicos, mas deixados à superfície, onde se degradarão sob a influência das condições climáticas e dos macro e microrganismos no solo.

A matéria orgânica do solo não é apenas um reservatório de carbono.

Tem, também, a vantagem de aumentar a fertilidade do solo, devido à disponibilização de um maior número de nutrientes.

Deste modo, ainda que indiretamente, otimiza a utilização de fertilizantes, diminuindo os custos energéticos associados à sua produção, assim como as emissões por ela geradas.

Verifica-se também, em solos com uma maior quantidade de matéria orgânica e com a superfície revestida, um melhor aproveitamento da água disponível, tanto pela redução da evaporação à superfície do solo, como pela melhoria da infiltração e retenção, tornando o solo mais resiliente a episódios de seca, ou ao inverso, de cheias, contribuindo deste modo para a adaptação às alterações climáticas.

Por outro lado, é uma prática muito interessante no controlo da erosão, um dos principais problemas dos solos mediterrânicos.

As práticas e técnicas de agricultura de conservação podem fazer a diferença entre o solo ser um emissor de CO2, sempre que há mobilização excessiva da terra, ou um reservatório de CO2.

O caminho da não mobilização

A mobilização excessiva das terras agrícolas a par com a erosão é considerada a grande responsável pela perda de matéria orgânica do solo e consequentemente, da sua fertilidade e do seu potencial produtivo.

A mobilização, principalmente com reviramento do solo, como a que é feita com recurso a grades, fresas e charruas, leva a uma fragmentação dos agregados do solo facilitando a troca de O2 e CO2 entre este e a atmosfera.

Por outro lado, ao enterrar-se os resíduos vegetais cria-se a situação ideal para um aumento da taxa de degradação da matéria orgânica com libertação de carbono e redução do efeito de sumidouro de carbono do solo.

O recurso à mobilização de conservação, principalmente à sementeira direta, diminui a exposição dos agregados ao ar, diminuindo a mineralização da matéria orgânica e mantendo uma maior concentração de humidade no solo, que favorece o desenvolvimento da fauna do solo. Deste modo consegue-se tornar o ciclo de carbono mais lento, dando origem a uma matéria orgânica mais estável, ao consequente incremento de carbono retido no solo e à diminuição da libertação de CO2 para a atmosfera.

Paralelamente, por haver uma diminuição de passagens de máquinas, uma vez que a sementeira direta é realizada numa só passagem, semeando em cima dos resíduos da cultura anterior, consegue-se a redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) que ocorreriam na utilização dos combustíveis por parte dessas máquinas.

Conclusão

O recurso à agricultura de conservação, com a utilização de práticas e técnicas como o revestimento permanente do solo e a sementeira direta, que aumentam o carbono orgânico do solo, trazem inúmeros benefícios no controlo da erosão e na manutenção e sustentabilidade das diversas funções dos ecossistemas.

Originam solos menos suscetíveis à erosão e à desertificação, que retêm mais água, mitigando os efeitos das secas e inundações.

Por outro lado potenciam o efeito de sumidouro do solo e reduzem a emissão de GEE, contribuindo para o combate às alterações climáticas.

Marta Manoel
Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo – APOSOLO

Publicado na Voz do Campo n.º 219 (outubro 2018)

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