publicado a: 2018-11-15

O I-Danha Food Lab voltou para cultivar o “Silicon Valley do campo”

Há cinco anos, o último lugar onde Lourens Boot imaginaria estar era Monsanto, mais precisamente no I-Danha Food Lab. A empresa a que preside, a Sponsh, acabou de vencer o concurso de startups do evento que distingue as melhores tecnologias associadas à agricultura sustentável. A vitória surpreendeu o alemão de 43 anos que não consegue conter um enorme sorriso no rosto. “É fantástico, não estávamos à espera de ganhar”, revela ao P3, quando finalmente conseguiu ter uns minutos livres. É que desde que foi anunciado o veredicto do júri toda a gente o quer congratular.

Engenheiro de formação, trabalhou na indústria petrolífera de 2004 a 2014. Na Schlumberger e na Shell coordenou operações de extracção de petróleo na China, Estados Unidos e em África. Era bem pago e tinha uma vida estável. Há quatro anos, com a mulher e o filho de um ano, fez uma longa viagem de autocaravanapela costa portuguesa e espanhola. Foi aí que percebeu que precisava de mudar de vida. Demitiu-se do emprego — o que deixou o pai deveras aborrecido — e ficou sem saber o que iria fazer a seguir.

Acabou por coordenar um dos maiores projectos de limpeza do oceano Pacífico e depois foi viver para a Ericeira, por onde tinha passado na viagem. Aí, reparando na elevada humidade do local, decidiu investigar estratégias de aproveitamento de água e encontrou um trabalho de Catarina Esteves, em que a professora portuguesa da Universidade de Eindhoven projectava um novo material para absorver água do ar. Entrou em contacto com a investigadora e juntos decidiram passar da teoria para a prática. Foi assim que criaram, no início de 2018, a Sponsh, uma camada têxtil que, quando colocada ao redor das árvores, funciona como uma espécie de esponja. “É um esquema de polímeros feito com material reciclado”, explica o alemão, para quem o produto pode ser fundamental para evitar o abate de árvores e assegurar que a água chega a locais atingidos pela seca.

À equipa, juntaram-se entretanto Ela Zohrevandi e Doris Kraljic, uma iraniana de 28 anos e uma croata de 23, que não se conheciam até então, mas que aterraram em Portugal por razões semelhantes. A primeira veio realizar um estágio de curta duração e a segunda chegou para fazer Erasmus. Ambas decidiram ficar a viver em Portugal e acompanharam Lourens no I-Danha Food Lab. "O prémio não era possível sem elas", confessa o chefe, provocando gargalhadas envergonhadas do outro lado. Com o primeiro lugar no concurso, que contou com a participação de outras nove startups, chegam dez mil euros. “Vamos usar o dinheiro para produzir o primeiro protótipo e iniciar os testes com agricultores.”

Mais atrás está João Noéme, de 40 anos. A sua empresa, a TerraPro, ficou em segundo lugar e recebeu cinco mil euros. “Fazemos a ponte entre a tecnologia e o produtor, simplificando o processo”, explica-nos o CEO da startup que se dedica a instalar sensores nas áreas agrícolas para recolher um vasto conjunto de informações. Estes dados são depois transformados em relatórios práticos sobre a quantidade exacta de água que a terra necessita.

Idanha, o próximo Silicon Valley

Estas foram apenas duas das startups que fizeram parte do programa que de 9 a 11 de Novembro tornou Idanha-a-Nova na capital da agricultura sustentável. E graças a isso a aldeia histórica de Monsanto, anunciada como a “mais portuguesa de Portugal”, viu no último fim-de-semana as suas ruelas de pedra milenar repletas de empreendedores, investidores e investigadores da área.

Quase todos os 237 participantes do evento vieram de Lisboa, de comboio, na viagem que assinalava o início da maratona sustentável. Nas duas carruagens reservadas pela organização, o networking — que é como quem diz as conversas de negócio — era audível. O presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, Armindo Jacinto, percorreu os lugares a proclamar o orgulho por o concelho ter recebido, na véspera, uma menção honrosa nos City Nation Place Awards, em que competia ao lado de cidades como Barcelona e Eindhoven. “Queremos fazer de Idanha um SiliconValley do campo”, garantiu.

O município é duas vezes maior do que Madrid em extensão, mas tem tanta população quanto o número de visitantes diário do Museu Rainha Sofia — cerca de oito mil pessoas. Para contrariar a tendência de despovoamento que assola o interior do país, Idanha quer afirmar-se como a capital da agricultura biológica. Para isso, por exemplo, todas as cantinas das escolas e instituições particulares de segurança social vão passar a ter produtos biológicos e locais. Também neste sentido, nasceu, há três anos, o I-Danha Food Lab, como forma de captar investimento. “Queremos chamar gente jovem e contrariar a ideia absurda que estes territórios da ruralidade não são inovadores”, revela o autarca. A tarefa — hercúlea, diga-se — foi incumbida à Building Global Innovations (BGI), uma aceleradora de empresas resultante de uma parceria entre o Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Três anos depois e com mais de 240 empreendedores envolvidos, Gonçalo Amorim, o director executivo da BGI, diz que “apesar dos receios iniciais, tudo valeu a pena”. Sentimento partilhado por João Sobrinho Teixeira, secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que confessou ao P3 estar “absolutamente fascinado com o evento”. “É importante para Idanha, mas é importante para o país, porque pode ser replicado em outros territórios”, revelou, especificando que “a economia verde precisa de conhecimento a nível de tecnologia” e que os “jovens vão ser fundamentais para a fixação de populações” em territórios com poucos habitantes.

Em três dias de evento, contabilizaram-se mais de 20 iniciativas. Os trabalhos desdobraram-se entre as três salas do posto de turismo e o espaço multiusos, que, até ao final de Outubro, era um parque de estacionamento. Foi por aqui que Begoña Perez-Villarreal, a directora do EIT Food (organismo do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia da Comissão Europeia) para os países do Sul da Europa, falou do importante papel que a tecnologia pode ter na agricultura para combater a escassez de água na Europa. Já a sete minutos a pé dali, no posto de turismo, Henrique Gomes e Vítor Crespo promoviam umworkshop sobre “o que os investidores portugueses procuram em empresas de agricultura”. E deixaram um conselho para os empreendedores: durante a primeira fase do negócio, apostar apenas numa área. "Foco, foco, foco, não se deslumbrem nem comecem a dispersar", avisou Vítor, enquanto a audiência tomava notas freneticamente.

Também houve espaço para as startups falarem dos seus problemas — o i-Dare Challenge era, na verdade, um dos momentos mais esperados da agenda. Se a Nature Fields, que comercializa carne biológica, não consegue encontrar uma embalagem em vácuo eco-friendly, a BluePanoply, que produz mirtilos, tem dificuldade em encontrar mão-de-obra temporária na altura da apanha do fruto. Apresentados os problemas, mudou-se a configuração da sala e grupos de dez pessoas discutiram possíveis soluções. As propostas foram diversas. E que tal apostar em embalagens feitas de fibras de banana, algas marinhas ou cannabis? E porque não criar campos de férias de turismo biológico?

O programa incluiu ainda visitas guiadas à fábrica da Sementes Vivas, que comercializa sementes biológicas de frutos, flores, ervas e produtos hortícolas, e outra ao Centro Documental Raiano, que tem mais de 11 mil arquivos, de 600 temáticas diferentes, todos relacionados com a ecologia, saúde natural e agricultura biológica. O mau tempo, infelizmente, foi uma constante durante todo o fim-de-semana. Ups, corrija-se: "Mau tempo no seu tempo é bom tempo", ouvia-se sempre que alguém se queixava da chuva que, ainda assim, obrigou a algumas mudanças de planos. Não se visitaram, como previsto, plantações e projectos de anos anteriores. Fica para a quarta edição, em 2019, que, promete Gonçalo Amorim, "vai ser brutal".

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